quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Enseada da Baleia recolhe 500 quilos de peixe descartado na praia

O peixe é rejeitado por barcos camaroeiros
Juliana Greco Yamaoka e Elaine Marques
No dia 20 de fevereiro, segunda-feira de carnaval, foi realizado um mutirão de limpeza de resíduos de pescado descartados por barcos de arrasto de camarão, que pescavam próximo à restinga sul da Ilha do Cardoso. Em aproximadamente 200 metros na praia da comunidade da Enseada da Baleia, foram enterrados 500 quilos de pescado que variavam de 4 cm a 0,5 kg (entre eles: peixe espada, roncador, veva, betara, bagrinho, etc).
A pesca de arrasto não é seletiva e a malha para a pesca de camarão, por ser muito fina, acaba pegando, ou seja, “arrastando” tudo o que estiver pela frente, incluindo indivíduos ainda em desenvolvimento, ou seja, filhotes e fêmeas ovadas.
Segundo um pescador da região, que preferiu não se identificar “o barco estava muito próximo da costa. Eles estão errados por judiar dos peixes. A fiscalização ocorre com maior intensidade entre os pescadores artesanais e nada acontece com barcos industriais. Mas, os pescadores artesanais não são totalmente corretos, porque também desrespeitam o período do defeso do camarão sete-barbas. A comunidade tradicional mal tem o direito de construir casas para seus filhos e quem não tem nada a ver com o lugar pode fazer isso com o pescado.”
O pescador local Antonio Carlos Cardoso, conhecido como Toninho, diz não achar legal jogar tudo isso de peixe na praia. “O cara está certo porque vive da pesca, mas ele está errado por poluir a praia. O turista não gosta disso, porque a praia fede. Por isso a comunidade se uniu para juntar e enterrar o peixe. Este pescado tem algum valor no mercado, mas eles preferem jogar no mar para não gastar gelo com este tipo de pescado. Existe o risco de ferimento com as esporas do bagre. No mesmo dia encostou uma nova remessa de peixe, aí vêm estes barcos que nem são daqui e espantam os turistas”, comenta.
Turistas, que preferiram não se identificar, acreditam que esse tipo de pesca deveria ser proibido. Para Fábio Kinker, turista que costuma visitar o local, a ação não é legal, pois a quantidade é muito grande e deixa a praia suja, além de ser uma ação recorrente, pois, segundo ele, isso acontece com frequência e consecutivamente. Ele acredita que gere um desequilíbrio na cadeia alimentar, pois a quantidade de rejeito é muito grande e é possível perceber que a maioria do peixe ainda não é adulta. Outra turista, Simone Bazarian, diz ser “necessário rever a legislação pesqueira. Me parece que é desproporcional a fiscalização dos pescadores artesanais do Lagamar comparada à pesca industrial. A primeira consegue selecionar melhor os peixes de interesse, preservando os peixes menores, enquanto que a pesca de arrasto causa um impacto muito mais negativo na comunidade de peixes, exterminando os filhotes de muitas espécies. Será que a pesca do camarão que desperdiça tanto peixe pode garantir a pesca para as gerações futuras? Será que uma área protegida repleta de tentativas para conservar a biodiversidade não tem sido negligenciada? Mesmo que, no caso do reconhecimento de que a atual legislação é passível a acontecimentos como este, matando 500 kg de peixe a cada 200 metros de praia, não devemos deixar de provocar discussão para qual manejo dos recursos queremos. As instituições responsáveis pela fiscalização devem ser preparadas para controlar a pesca de forma responsável”.
“Foram 500 kg de peixe em 200 metros de praia, imagina quantas toneladas de pescado estão sendo descartadas nos 16 km da restinga sul da Ilha do Cardoso”, comenta Juliana Greco Yamaoka, integrante da Equipe Técnica da Associação Rede Cananéia.
Segundo Wagner Robinsom Klimke, presidente da Colônia de Pescadores Z-9 “Apolinário de Araújo” de Cananéia, o acontecimento “tem a ver com a proximidade da costa, até as pequenas embarcações causam grandes impactos. Segundo a SMA - Secretaria do Meio Ambiente, embarcações de 10 tabs (tonelada de arqueação bruta) ou mais só podem pescar depois de uma milha e meia de distância da costa. Mas quem é que mede esta distância e o tamanho das embarcações?”, cometa ele, defendendo que a atividade deveria se distanciar ainda mais da costa, além de questionar sobre o quanto de resíduo de pescado não é dispensado e não é identificado por ser levado pelas correntes marinhas e para locais não habitados?
Wagner explica que duas pescas têm influência na costa, além do número de embarcações, sendo atualmente:
1) O arrasteiro de camarão (arrasto com portas) - que é o tipo de pesca depois da parelha que mais gera descarte e desperdício;
2) Pesca de caracol – arrasteiro com malha 7 – estas embarcações são menos agressivas, mas pouquíssimas embarcações têm permissão para arrastar peixes, isso faz deste tipo de pesca ilegal.
Diz, ainda, que existe uma nova Lei, a de nº 12.512 de 14/10/2012 que institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às atividades produtivas rurais.
Wagner acredita que pescadores e pescadores poderiam fazer movimentos sociais para tentar coibir a pesca na costa. Além disso, vê com preocupação o defeso do camarão sete barbas, acha que o defeso deveria ser antes do prazo instituído. No caso do camarão branco do rio, ainda não existe um defeso, acha que esta é uma estratégia para a proteção da espécie.
O pesquisador do Instituto de Pesca, Jocemar Tomasino Mendonça, e a gestora da APA – Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Sul, Alineide Lucena Costa Pereira, confirmam a informação de que a legislação paulista (Portaria SUDEPE nº N-54 de 20/12/1984) permite a pesca de arrasto para barcos acima de uma tonelada, em uma distância da costa de uma milha e meia, o que segundo Alineide é cerca de 3 quilômetros. Jocemar enfatiza que é uma distância pequena e que, muitas vezes, o descarte acaba chegando à praia devido à correnteza.
Jocemar explica que esse tipo de pesca e descarte são permitidos pois ainda não se conseguiu modificar a forma de captura do camarão, sendo que a maioria do descarte é composta por indivíduos ainda filhotes ou em desenvolvimento, que não podem ser vendidos e os adultos acabam não sendo utilizados por não possuírem valor comercial. Contudo explica, ainda, que nenhum pescador quer o rejeite, pois dá muito trabalho para separar e técnicas para diminuir esse problema seriam muito bem-vindas.
Comenta, ainda, que no Estado do Paraná já existem técnicas para diminuir o rejeito, como a colocação de mecanismos de redução de capturas acessórias, as BRD’s (By-catch Reducing Device) nas redes e, informou que o Conselho da APA está discutindo a realização de um projeto piloto, neste sentido, em uma ou duas embarcações para testes e possível implantação destas técnicas.
Além disso, Alineide informou que a Câmara de Pesca do Conselho da APA procura normas para regulamentar as atividades pesqueiras e concluiu o zoneamento para a pesca de amalhe e estão aguardando a legislação, mas sobre a pesca de arrasto ainda não existe tal zoneamento.
Jocemar enfatiza que toda a pesca é predatória, pois não é uma ação natural, porém a pesca de arrasto é ainda mais predatória e esse tipo de ação aumenta a pressão sobre o recurso pesqueiro, que, visivelmente, vem diminuindo.
Ele enfatiza que não existe fiscalização na região, que deveria ser realizada pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Polícia Ambiental e Fundação Florestal. Para ele, falta uma gestão adequada e uma fiscalização eficiente e efetiva, pois há 30 anos tais erros vêm sendo justificados, mas não buscam meios de minimizar os problemas.
Alineide explica que a fiscalização pela Fundação Florestal e Polícia Ambiental na região não é realizada devido à falta de embarcações com estrutura e equipamentos exigidos pela Marinha do Brasil para este trabalho.
Expôs, também, que a Fundação Florestal recebeu um financiamento do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, que prevê a aquisição de estrutura e equipamentos para a realização efetiva da fiscalização pesqueira ainda neste ano.
Para denúncias de crime ambiental dentro da APA, Alineide informa que o correto é recorrer à Fundação Florestal e/ou à Polícia Ambiental. Fora ou dentro da unidade ainda é possível acionar o IBAMA, Marinha e ICMBio.

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